Escrito por Danilo Pretti di Giorgi
Os recentes ataques desferidos contra
as leis ambientais no Brasil mostram que está, enfim, chegando a hora
de enfrentarmos com seriedade e sem esquivas o dilema ‘crescimento
econômico versus preservação do meio ambiente’.
Exemplos não faltam, mas o mais
chocante vem de Santa Catarina, onde, ironicamente, o desrespeito às
leis ambientais foi um dos maiores responsáveis pela tragédia das
enchentes no ano passado. A Assembléia Legislativa catarinense aprovou
em março um código estadual do meio ambiente que, entre outras coisas,
reduz de 30 para cinco metros a área de proteção obrigatória das matas
ciliares (vegetação que protege as margens dos rios, com função similar
à de sobrancelhas e cílios para os nossos olhos). O tal código
estabelece também que toda terra já cultivada no estado seja
considerada "área consolidada", o que garante a continuidade de
produção mesmo onde ela ocorre ilegalmente em regiões de preservação.
Curto e grosso assim, um exemplo seco
de total desprezo pelas mínimas necessidades da vida selvagem em nome
de uma aparentemente incontrolável necessidade de expansão da área
cultivada. Um detalhe: o código é francamente inconstitucional, pois a
legislação estadual não pode ser mais permissiva que a federal
equivalente.
Em Brasília, estão tentando reduzir
as reservas legais, as áreas que devem ser preservadas nas propriedades
rurais (sendo que as porcentagens variam de uma região para outra do
país) e há iniciativas para revogar decretos de proteção de dez milhões
de hectares em unidades de conservação federais (uma área que
corresponde a mais de duas vezes o estado do Rio de Janeiro).
A ofensiva, liderada por políticos da
bancada ruralista, tenta também anular os efeitos de recentes
iniciativas governamentais para frear o desmatamento, como o Plano de
Combate ao Desmatamento da Amazônia, que corta o crédito rural de
fazendeiros que desmataram ilegalmente, e o decreto 6.514, que prevê
sanções administrativas pelo descumprimento do Código Florestal.
Enquanto isso, nove reservas em
diferentes pontos do país estão emperradas na Casa Civil esperando
autorização, pois o Ministério das Minas e Energia tem interesse nas
áreas. Já o Ministério do Meio Ambiente recebeu apenas mil dos três mil
novos fiscais que pediu para lutar contra o desmatamento na Amazônia. E
a intenção de criar a Guarda Florestal Nacional ficou só na intenção. A
lista de ataques não pára por aí, e seria cansativo para o leitor se
eu tentasse esgotá-la neste espaço.
Enquanto tudo isso acontece,
assistimos, perplexos, ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes,
elogiar o exemplo catarinense e brincar de vidente ao "prever leis
ambientais mais flexíveis no país". Stephanes também tem defendido
crimes como a liberação da agricultura em topo de morros e encostas e
quer que a compensação de áreas desmatadas ilegalmente possa ser
realizada com reflorestamento em locais distantes, até mesmo em outros
estados (algo tão absurdo quanto propor que você resolva o problema
causado pelo buraco no telhado da sua casa consertando o telhado da
casa do seu vizinho). O ministro podia perguntar aos catarinenses que
tiveram parentes mortos e casas destruídas pelas enchentes o que acham
das suas idéias.
Stephanes está na linha de frente da
ofensiva, fazendo ameaças, como a previsão de que, caso não sofra
modificações profundas, o Código Florestal inviabilizará "quatro
milhões de hectares produtivos, quinze milhões de toneladas de
produtos, além de provocar o desaparecimento de milhares de
agricultores, propriedades e até de pequenos municípios".
Essa fala do nobre ministro esclarece,
portanto, o que a maior parte dos ambientalistas prefere fingir que
não vê: ao contrário do que ouvimos muito por aí, meio ambiente e
crescimento econômico se chocam, sim, e não são naturalmente
compatíveis. É preciso tirar de um para dar ao outro. E é preciso
coragem para encarar um debate sobre esse fato, para que se possa
questionar o paradigma da premência do crescimento econômico sem fim.
Quando a discussão acerca da questão
ambiental se acentua, os defensores da teoria furada do crescimento
eterno usam em sua defesa os argumentos da ameaça ao crescimento
econômico, aos empregos, à saúde da economia. É neste ponto que os
ambientalistas costumam recuar, afirmando ser possível aliar crescimento
econômico e preservação, discurso sempre presente na mídia de massa e
nos bolsos dos coletes do ministro Minc.
É claro que poderíamos adiar este
embate se a elite brasileira não fosse tão pré-histórica em suas
práticas nem tão cega para qualquer coisa que não signifique o lucro
imediato, com o menor esforço possível e a qualquer preço. Se
empresários e ruralistas aceitassem a possibilidade de uma margem de
lucro um pouco menor, o choque entre preservação e crescimento da
economia poderia ser empurrado para frente, para daqui a dez ou quinze
anos, caso houvesse, por exemplo, real interesse na recuperação dos
tais 60 milhões de hectares em áreas degradadas, ao invés de desmatar
novas áreas. Ou se aplicássemos técnicas para melhor aproveitamento das
áreas produtivas. Ou ainda se buscássemos seriamente alternativas para
aproveitamento econômico da floresta com atividades verdadeiramente
sustentáveis. Ou se pensássemos na agricultura em termos mais amplos,
com olhos voltados para todos os tamanhos de propriedades e para a
diversificação e não só nas grandes propriedades monocultoras. Ou
talvez se enxergássemos a função social da propriedade, tal qual manda a
Constituição.
Mas nada disso é mais rentável que
simplesmente derrubar mata virgem e tocar fogo, e esse fato singelo faz a
conversa terminar por aí quando falamos de capitalismo brasileiro.
Mesmo na hipótese da aplicação de opções como as descritas acima, depois
de certo tempo o embate entre crescimento econômico e preservação
voltará à tona. Não há como fugir disso. Enquanto não tivermos coragem
de enfrentar seriamente essa verdade continuaremos a ser presas fáceis
daqueles que se aproveitam das brechas nas nossas argumentações para
enriquecerem às custas da natureza.
Não é possível que toda vez que alguém
fale em "ameaça ao crescimento econômico" os ambientalistas corram
para apagar o fogo e tentar apaziguar, apegando-se ao discurso oficial,
amparado em grande parte pela sede das grandes ONGs ambientalistas por
patrocínios polpudos. É preciso, ao invés disso, que cada um mostre
realmente de que lado está, comprando a briga e aprofundando este
debate, sem medo de suas consequências.
Pescado do Correio da Cidadania http://www.correiocidadania.com.br/